Adélia Domingues, de Florianópolis, aprendeu a ler e escrever por meio da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJA) e teve sua história publicada, servindo de inspiração
Fonte: G1 SC

Em uma jornada de determinação e superação, a moradora de Florianópolis Adélia Domingues, de 90 anos, realizou um sonho antigo: publicou um livro que narra sua própria história, intitulado “Construída em Retalhos”. A obra foi finalizada menos de um ano depois de Adélia ter concluído o curso de alfabetização na Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJA) da Universidade Aberta para a Pessoa Idosa (Neti-Unapi), um projeto gratuito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A aposentada, que interrompeu os estudos aos 14 anos para trabalhar, teve a oportunidade de resgatar o tempo perdido e aprender a ler e escrever, impulsionada pelo desejo de registrar sua vida. O título do livro, “Construída em Retalhos”, faz alusão ao fuxico, técnica de artesanato que utiliza retalhos de tecido para criar novas peças. A técnica é uma das paixões de Adélia, e a metáfora é usada para “costurar” as diferentes fases de sua vida ao longo das 50 páginas do livro.
Nascida em uma família pobre no Rio Grande do Sul em 1935, Adélia precisou ajudar em casa desde cedo. Casou-se e enviuvou duas vezes, e trabalhou na cozinha e no comércio para sustentar seus 11 filhos. O sonho de escrever sua história a motivou a voltar à sala de aula. Na EJA, ela encontrou o apoio e o incentivo dos professores para transformar o sonho em realidade.
Adélia comentou que já havia expressado seu desejo de escrever sobre sua vida anos antes, mas sentia que as pessoas não tinham tempo para ajudá-la. A oportunidade finalmente surgiu no projeto da UFSC, onde a professora Regina Seabra a incentivou, introduziu a obras literárias importantes e a ajudou a aprender a digitar no computador. A docente destacou a grande vontade de Adélia em aprender e fazer coisas novas, tornando-a uma fonte de inspiração para os colegas e professores.
A tiragem inicial de 150 cópias do livro, vendidas a R$ 35 cada, já está quase esgotada. Para a autora, o lucro é secundário, já que sua renda provém da aposentadoria e da venda de suas peças de artesanato. O mais importante é a sensação de superação e a oportunidade de inspirar outras mulheres a se desafiarem e a darem espaço a novas paixões, independentemente da idade.
A obra mescla relatos de vivências, desde a infância marcada por brincadeiras e trabalho até o momento em que precisou abandonar os estudos. Adélia espera que os registros de sua vida possam ser lidos por “filhos dos tataranetos”. A autora afirma que mesmo na infância, a vida era equilibrada entre o trabalho e as brincadeiras, mas que estudar não era uma possibilidade devido às dificuldades financeiras.
Adélia, que atualmente mora no bairro Rio Vermelho com um neto de 35 anos, mantém uma rotina bastante ativa. Além de vender suas peças de fuxico em uma feira na Lagoa da Conceição aos domingos, ela frequenta aulas de ginástica e teatro na UFSC pelo menos três vezes por semana. Mesmo após se formar na EJA, ela continua frequentando as aulas do campus. De forma independente, faz o trajeto de ônibus sozinha, carregando apenas suas sacolas.
A história de Adélia é reforçada por especialistas como a psicóloga Ana Maria Justo, ex-coordenadora da Neti-Unapi. Segundo ela, a experiência de Adélia não deveria ser uma exceção, e a integração social e o estímulo a novos aprendizados precisam ser mantidos na velhice. A psicóloga destaca que o conceito de envelhecimento ativo, definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), busca otimizar oportunidades de saúde, participação e segurança para pessoas idosas.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2024, divulgada pelo IBGE em agosto de 2025, mostram que Santa Catarina está passando por um processo de envelhecimento populacional. Em doze anos, a proporção de idosos com 60 anos ou mais no estado saltou de 10,9% para 15,6%, um crescimento de 4,7 pontos percentuais que acompanha a tendência nacional.
A Neti-Unapi, em parceria com a prefeitura de Florianópolis, oferece uma série de projetos focados em construir uma sociedade mais inclusiva para idosos, incluindo aulas de dança, yoga, teatro e cursos sobre aposentadoria e direitos. A coordenadora Cláudia Priscila dos Santos explica que as atividades são escolhidas com base em pesquisas com o próprio público-alvo, visando atender aos princípios do envelhecimento ativo. A busca por ministrantes voluntários para aulas sobre educação financeira, fake news e prevenção de fraudes online, a pedido do público idoso, é um dos novos focos do projeto.
A psicóloga Ana Maria Justo reitera a necessidade de políticas públicas eficazes para garantir que as pessoas possam cuidar de sua saúde, situação financeira e familiar ao longo da vida, permitindo-lhes envelhecer com mais qualidade, com recursos para lidar com as diversas transformações da idade.
