Pesquisa do Instituto Sonho Grande revela que estudantes de escolas com jornada ampliada obtiveram resultados superiores em relação aos de turno parcial, com destaque para a prova de redação, reforçando o potencial do modelo para o desenvolvimento educacional e social do país
Uma pesquisa recente, conduzida pelo Instituto Sonho Grande, trouxe à tona dados sobre o desempenho de estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024. O levantamento revelou que alunos de escolas estaduais com oferta de ensino médio integral (EMI) apresentaram um desempenho geral superior em comparação com aqueles matriculados em unidades de turno parcial. O estudo considera como ensino integral a carga horária igual ou superior a sete horas diárias ou 35 horas semanais.
A análise dos microdados da edição do Enem 2024, exame aplicado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), demonstrou que a maior diferença de notas foi encontrada na prova de redação. Em média, os estudantes de escolas de tempo integral obtiveram 12 pontos a mais na prova discursiva, que tem uma nota máxima de 1.000 pontos. A diferença se acentua para 27 pontos quando a análise se restringe a escolas onde 100% das matrículas são na modalidade integral. O desempenho superior também foi observado em outras áreas, como a prova de matemática e suas tecnologias, em que os alunos de escolas de tempo integral tiveram cinco pontos a mais em relação aos de escolas de tempo parcial.
A diretora-executiva do Instituto Sonho Grande, Ana Paula Pereira, ressaltou que esses dados reforçam a ideia de que a ampliação da educação integral leva a melhores resultados e, consequentemente, a mais oportunidades para os jovens.
Destaque para o Nordeste
A pesquisa destaca o Nordeste como a região com a maior proporção de alunos matriculados na modalidade de tempo integral na rede pública de ensino médio. O Censo Escolar 2024 aponta que os estados de Pernambuco (69,6%), Ceará (54,6%), Paraíba (54,5%), Piauí (54,1%) e Sergipe (35,2%) lideram o ranking. Em contrapartida, o Distrito Federal (6,4%) e Roraima (8,1%) apresentam as menores proporções.
Na região Nordeste, o desempenho dos estudantes de escolas integrais no Enem foi consistentemente superior. A média geral desses alunos superou a dos estudantes de turno parcial em 18 pontos. Na prova de redação, essa diferença foi ainda mais expressiva, atingindo 48 pontos.
O estudo aponta exemplos notáveis. Em Pernambuco, em escolas com oferta 100% integral, a performance dos estudantes na prova de redação foi 68 pontos mais alta do que a dos demais. Ana Paula Pereira atribui esse resultado ao pioneirismo do estado na implementação do modelo integral. Já no Ceará, a diferença na prova de redação chega a 134 pontos, e 98 das 100 escolas cearenses com as maiores notas no Enem 2024 contam com a oferta de ensino médio integral. Esse padrão se repete em Pernambuco (89 escolas com EMI) e na Paraíba (84 com EMI), evidenciando a relação entre a modalidade e o desempenho.
Benefícios além da aprendizagem
Um estudo realizado pelos economistas Naercio Menezes Filho e Luciano Salomão, em parceria com o Instituto Natura, complementou os resultados. A pesquisa, que utilizou dados de 2017 a 2019, mostrou que alunos de escolas de tempo integral têm 16,5% mais participação no Enem do que os demais. As notas desses estudantes também se destacam, com 29 pontos a mais na prova de redação. A superintendente de Políticas Educacionais para o Brasil do Instituto Natura, Maria Slemenson, defendeu que o ensino médio integral é a política pública com maior potencial de transformação no país.
A diretora do Instituto Sonho Grande complementou, afirmando que o modelo de ensino integral vai além do aspecto pedagógico. Pesquisas indicam que os alunos que cursam essa modalidade têm maior chance de ingressar no ensino superior e no mercado de trabalho, alcançando salários mais altos e empregos mais qualificados. O modelo também está associado à redução de problemas sociais, como a violência, casos de desnutrição, transtornos de comportamento, gravidez na adolescência e abuso de substâncias. Para a especialista, o Ensino Médio Integral é uma estratégia de desenvolvimento social e econômico.
Desafios para a expansão
Apesar do aumento no percentual de matrículas em tempo integral na educação básica, que saltou de 18,2% para 22,9% entre 2022 e 2024, o resultado ainda ficou abaixo da meta do Plano Nacional de Educação (PNE), que estabeleceu um patamar de 25% para 2024. Apenas no ensino médio, a proporção de alunos em tempo integral subiu de 14,1% para 24,2% no mesmo período.
Ana Paula Pereira, do Instituto Sonho Grande, identificou três desafios principais para a consolidação da política: a necessidade de financiamento público contínuo, a criação de apoio direto aos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, e um planejamento e reorganização das estruturas das redes estaduais para a ampliação da oferta de forma consistente. Ela destacou que o sucesso do modelo depende de uma agenda estratégica por parte dos governadores e secretários de educação.
O Programa Escola em Tempo Integral, lançado pelo MEC em 2023, busca registrar 3,2 milhões de novas matrículas na modalidade até o final de 2026. O programa oferece apoio técnico e financeiro a estados e municípios, visando espalhar a referência de ensino integral pelo país. A especialista defende, no entanto, que o Brasil estabeleça uma meta mais ambiciosa para 2035: pelo menos 50% das matrículas e 70% das escolas em tempo integral, garantindo a inclusão de estudantes mais vulneráveis e diretrizes pedagógicas que garantam o desenvolvimento integral dos alunos. Para ela, o modelo deve ir além da simples ampliação da jornada, focando em um ambiente que torne o aprendizado significativo para os jovens.
