TCE/SC aponta que 858 alunos do programa UG e Fumdesc tem patrimônio acima de R$ 1 milhão de reais.
Uma investigação conduzida pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC) revelou um esquema de fraude no programa “Universidade Gratuita”, que pode ter causado um prejuízo de quase R$ 324 milhões aos cofres públicos. O levantamento identificou 858 estudantes com patrimônio milionário, incluindo bens como barcos e carros de luxo, que estavam recebendo bolsas integrais de ensino superior, destinadas a pessoas em situação de vulnerabilidade econômica ou que não possuem condições de arcar com os custos dos cursos.
O programa “Universidade Gratuita” e o Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior Catarinense (Fumdesc), que gerencia parte da verba das bolsas, têm como objetivo principal promover a inclusão social no ensino superior catarinense. No entanto, a investigação do TCE-SC, que analisou dados do segundo semestre de 2023 e do ano de 2024, apontou 18.283 inscrições com indícios de irregularidades.
Entre os 858 alunos milionários, 12 possuíam um patrimônio superior a R$ 10 milhões. O relatório do TCE-SC destaca que “esses números destacam a presença de grupos familiares com patrimônio significativo, mesmo dentro do universo de beneficiários do programa”, o que contraria a finalidade social da iniciativa.
As fraudes identificadas pelo tribunal são de três tipos principais: omissão de informações sobre bens familiares, incompatibilidade de renda declarada e omissão de vínculo empregatício. Mais especificamente, 15.281 pessoas teriam omitido informações sobre bens do grupo familiar, 4.430 alunos apresentaram indícios de incompatibilidade de renda, declarando valores inferiores aos reais, e 1.699 teriam deixado de informar vínculo empregatício.
Alguns casos levantados pelo TCE, mostraram que alguns estudantes, apesar de cursarem a faculdade de graça, possuíam bens de luxo. Exemplos incluem:
- Uma Land Rover Defender avaliado em R$ 733.488,00,
- Porsche911Carrera 4S de R$ 733.488,00,
- Porsche 911 Carrera 4S de R$ 733.488,00,
- Porsche911Carrera 4S de R$ 603.556,00,
- Caminhão Scania R/500 6X2T de R$ 658.918,00
- lanchas de R$ 658.918,00
- lanchas de R$ 202.000,00 e R155.000,00
- Moto aquática de R$ 155.000,00
Além disso, o levantamento revelou que bolsistas possuíam casas e apartamentos de luxo, grandes terrenos e salas comerciais, com valores que variavam entre R$ 13 e R$ 15,2 milhões.



Outro ponto alarmante é a constatação de que alguns bolsistas figuravam como sócios em empresas com capital milionário. Em um dos casos, um universitário era sócio de uma empresa com capital social superior a R$ 21 milhões, o que levanta sérias dúvidas sobre a necessidade de auxílio financeiro para custear seus estudos.
A Polícia Civil de Santa Catarina, por meio da Deic (Diretoria Estadual de Investigações Criminais), está investigando o caso. Há suspeitas de que consultorias estejam auxiliando os candidatos a fraudar os programas, orientando-os a omitir informações ao preencher os documentos. Além disso, as universidades também entrarão na mira da investigação, pois há indícios de que funcionários dentro das instituições de ensino possam ter feito “vista grossa” para a entrada de alunos sem o perfil adequado para o programa.
O delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, afirmou que a investigação buscará verificar se as inconsistências são erros ou crimes de fraude e obtenção de vantagens indevidas. Ele ressaltou que o TCE realizou uma análise com cruzamento de dados que gerou as suspeitas, mas que a polícia verificará “in loco” a situação.
Caso as fraudes sejam comprovadas, a Procuradoria-Geral do Estado buscará o ressarcimento dos valores. A Controladoria-Geral do Estado e o Ministério Público também estão atuando no caso, e a Receita Federal será informada sobre as irregularidades.
A Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED) informou que solicitou ao TCE um relatório detalhado das possíveis inconsistências, com “profundidade e rigor técnico”. A pasta declarou que, se as irregularidades forem constatadas, os benefícios serão suspensos e o ressarcimento será solicitado, conforme previsto no artigo 18 da Lei Complementar nº 831, de 2023. A SED também afirmou ter implementado melhorias no sistema para o segundo semestre de 2025, antecipando a publicação dos editais de seleção, renovações e concessões.
A Lei do “Universidade Gratuita”, sancionada em 2023, foi uma promessa de campanha do governador Jorginho Mello (PL) e visa promover a inclusão social no ensino superior catarinense. O programa conta com a participação de 59 instituições de ensino em Santa Catarina. A elegibilidade para as bolsas é baseada em um Índice de Carência, que considera critérios como renda per capita, patrimônio familiar, desemprego, despesas com tratamentos de doenças crônicas, gastos com moradia e a realização da primeira graduação.
Claudia Costin, especialista em educação e professora da FGV, enfatizou que, embora o acesso ao ensino superior deva ser ampliado, o programa deve ser cauteloso. Ela destacou a importância da fiscalização e do papel da Assembleia Legislativa, por meio do TCE, como braço fiscalizador. Costin afirmou que as pessoas que se beneficiaram indevidamente devem ser responsabilizadas, e se houver conivência da administração, esta também deverá responder.
O programa é gerido pela SED, que compra vagas em diversos cursos de graduação em universidades não públicas catarinenses e as destina aos bolsistas. Para cada quatro vagas assumidas pelo estado, a universidade é obrigada a oferecer uma quinta sem custos ao poder público. Ao final das graduações, os beneficiados devem prestar serviços à população por 20 horas a cada mês de benefício recebido, além de terem aprovação mínima de 75% das disciplinas.
Este escândalo ressalta a necessidade de maior rigor na fiscalização de programas sociais e educacionais, garantindo que os recursos públicos sejam direcionados àqueles que realmente necessitam e que os objetivos de inclusão social sejam efetivamente alcançados. A investigação em curso promete desvendar a extensão total das fraudes e responsabilizar os envolvidos, reafirmando a importância da transparência e da ética na gestão pública.
